Sinto-me perdida e covarde, talvez pela concepção geral de que
isso é uma fuga, um não querer enfrentar os fatos e dar a volta por cima.
Não concordo muito com essa concepção, o que dizer dos etíopes?
São covardes, burros e preguiçosos por morrerem de aids e inanição?
Será que do mesmo jeito que se alimenta o corpo com proteínas, vitaminas sais e água também não devemos alimentar a mente pra que não morramos por dentro e apenas completemos o
processo com o corpo?
É, eu sinto que morri por dentro.
Sim, acho que morri.
Por favor, não se sintam culpados, não havia nada que vocês poderiam ter feito
pra me ajudar, e talvez até tentassem se eu desabafasse com alguém minha
intenção de fazer o que devo ter feito já que estão lendo minha despedida...
Várias coisas me mataram aos poucos por dentro, consumiram minha vontade de
tentar. As coisas muitas vezes dão errado e aquela história de que “Deus sabe o
que faz” ajuda por um tempo, engana um pouco a gente e faz com que tenhamos a
esperança e a fé que um dia as coisas vão mudar de figura, que vai pra frente,
mas às vezes não vai, essa desculpa ficou tão vaga, ficou tão vazia pra mim
quanto o conceito de Deus, ou ele está em algum universo paralelo ou está muito
alto lá em cima que meus soluços e gritos por clemência não conseguiram
acordá-lo.
Sim, por muito tempo supliquei, clamei, implorei para que minhas lágrimas focem
contidas, que meus gritos se calassem.. supliquei, implorei, e de Deus eu nunca
desacreditei, mas minha dor permaneceu..

Por dentro jaz o que outrora foi uma sonhadora, visionária, otimista e
desafiadora. Simplesmente acomodei-me com a dor, lutar só a aumentava, parar de
me debater poupou o mínimo para que eu tivesse uns poucos momentos de
satisfação na minha vertiginosa queda rumo ao abismo que me encontro. Meu rosto
sem expressão, essa melancolia estampada em meu ser de forma residente é o
fedor que ultrapassa a barreira metafísica e se manifesta no físico. Já não
consigo dormir, pensar, sonhar, amar. Estou morta!
Não culpo ninguém e culpo tudo e a todos.
Foi o momento, a situação, as mazelas
absorvidas ao longo de anos de humilhação, lutas, esforços, todos em vão.
Não quero que lembrem de mim como uma covarde, quero que lembrem de mim como
alguém que teve coragem suficiente para assumir um fato já consumado e torná-lo
finalmente físico. Alguém que resolveu dar um salto em meio a toda amargura e
desespero, que abriu os braços e pulou daquela cachoeira, fugindo dos zumbis
que o circundavam, que também estavam mortos, sendo que ao contrário de mim,
eles mentiam pra si mesmos sobre isso.
Eu tentei, eu lutei, de Deus eu nunca desacreditei,
mas remédio já no adiantam mais para mim,
ouvir um psicólogo já não faz mas sentido, se é que algum dia fez..
nada mais faz sentido, tudo se perdeu..
e o meu coração, ele já morreu!


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